Introdução
Como o Apóstolo Paulo morreu? Essa é uma pergunta que atravessa os séculos e desperta curiosidade tanto entre estudiosos quanto entre fiéis. A trajetória de Paulo de Tarso, conhecido como apóstolo Paulo, é uma das mais marcantes do cristianismo primitivo. De perseguidor dos cristãos a um dos maiores divulgadores da fé cristã, sua vida foi repleta de viagens missionárias, cartas teológicas e episódios de perseguição cristã intensa. Mas o que aconteceu nos seus últimos dias? Como ele realmente morreu? Neste artigo, vamos explorar os 5 relatos mais aceitos sobre sua morte, analisando evidências históricas, textos antigos e a tradição cristã. Prepare-se para mergulhar na história e entender como o martírio de Paulo moldou a memória do cristianismo até os dias atuais.
1. Martirizado em Roma: O Relato da Decapitação sob Nero
Entre todas as narrativas sobre como o apóstolo Paulo morreu, o relato mais amplamente aceito é o de que ele foi decapitado em Roma durante a perseguição do imperador Nero, por volta do ano 64 a 67 d.C. Essa versão é sustentada por fontes da tradição cristã primitiva, especialmente os escritos dos Pais da Igreja, como Eusébio de Cesareia e Jerônimo.
A perseguição sob Nero
Para entender esse contexto, é preciso voltar ao ano 64 d.C., quando Roma foi devastada por um grande incêndio. Historiadores, como Tácito, relatam que o imperador Nero procurou um bode expiatório para livrar-se da culpa — e os cristãos emergentes se tornaram o alvo perfeito. Isso deu início a uma perseguição cristã brutal, marcada por execuções, torturas e mortes públicas. Paulo, como figura de destaque e já preso por conta de suas atividades missionárias, teria sido julgado e condenado à morte nesse ambiente.
Por que decapitação?
Sendo um cidadão romano, Paulo teria direito a uma execução “mais digna”, conforme as leis romanas. A decapitação era considerada uma forma menos dolorosa e mais rápida de morte, e por isso foi provavelmente o método usado. Diferentemente de Pedro, que segundo a tradição foi crucificado de cabeça para baixo, Paulo teria sido executado com a espada, fora dos muros de Roma.
O local da execução
O local mais citado como palco da morte de Paulo é a região chamada Aquae Salviae, hoje conhecida como Abadia das Três Fontes (Tre Fontane). A tradição afirma que, ao ser decapitado, sua cabeça teria quicado três vezes no solo, fazendo brotar três fontes de água — uma lenda que serviu para santificar ainda mais o local.
Apoio histórico
Eusébio, no livro “História Eclesiástica”, escrito no século IV, relata que Paulo foi martirizado em Roma. O mesmo é afirmado por Jerônimo, no final do século IV, e outros autores cristãos antigos, como Clemente de Roma, que já mencionava o martírio de Paulo em seus escritos do final do século I.
Impacto teológico
O martírio de Paulo fortaleceu sua imagem de apóstolo sofredor, comprometido até a morte com a propagação do evangelho. Sua morte é frequentemente associada à ideia de fidelidade até o fim, inspirando gerações de cristãos, especialmente em contextos de perseguição.
2. Uma Morte Silenciosa: A Teoria do Fim Natural
Embora a maioria das tradições cristãs defenda que o apóstolo Paulo foi martirizado, existe uma linha interpretativa que sugere que Paulo pode ter morrido de causas naturais, após ser libertado de sua prisão em Roma. Essa teoria é minoritária, mas baseia-se em lacunas existentes nos registros históricos e nas próprias epístolas paulinas.
O final do livro de Atos
O livro de Atos dos Apóstolos, que narra detalhadamente as viagens missionárias e prisões de Paulo, termina de forma abrupta. Ele registra que Paulo passou dois anos em prisão domiciliar em Roma, “pregando o reino de Deus e ensinando a respeito do Senhor Jesus Cristo com toda a liberdade, sem impedimento algum” (Atos 28:30-31). Curiosamente, não há nenhum registro do julgamento nem da morte do apóstolo, o que deixa margem para especulações sobre sua libertação.
Liberdade e novas missões?
Alguns estudiosos sustentam que Paulo pode ter sido absolvido durante seu julgamento em Roma, já que, até então, não havia uma acusação formal que justificasse a pena capital. Com base em pistas encontradas em cartas como 2 Timóteo e Tito, há quem defenda que ele retomou suas viagens missionárias, inclusive indo até a Espanha, conforme ele menciona em Romanos 15:24.
A possibilidade de morte natural
Se Paulo de fato foi solto e continuou suas atividades, é plausível imaginar que ele tenha morrido algum tempo depois, de causas naturais. Isso explicaria a ausência de registros claros sobre sua execução e, ao mesmo tempo, a forte devoção posterior ao seu legado, centrada mais em seus escritos do que em seu martírio.
Fragilidade dessa teoria
Apesar de interessante, essa hipótese sofre com a escassez de evidências concretas. Os escritos patrísticos — como os de Clemente de Roma e Eusébio — mencionam explicitamente o martírio de Paulo, o que enfraquece a ideia de uma morte natural. Além disso, o contexto da perseguição sob Nero torna improvável que um líder cristão tão proeminente escapasse ileso.
Implicações teológicas
Se Paulo realmente morreu de causas naturais, isso mudaria parte da forma como seu legado é interpretado. Ele deixaria de ser um mártir nos moldes tradicionais, mas ganharia ainda mais destaque como teólogo e missionário incansável. No entanto, a ausência de uma narrativa de sacrifício final poderia reduzir seu impacto simbólico em contextos de perseguição cristã posteriores.
3. A Lenda Espanhola: Paulo Teria Morrido na Península Ibérica?

Entre os relatos menos conhecidos, porém intrigantes, está a teoria de que o apóstolo Paulo teria viajado à Espanha e morrido por lá. Essa ideia nasceu da combinação de escritos paulinos com tradições e lendas cristãs medievais, e até hoje é debatida entre estudiosos e religiosos.
A origem da teoria: Romanos 15
A base textual para essa possibilidade encontra-se na carta aos Romanos, onde Paulo escreve:
“Planejo vê-los de passagem, indo para a Espanha. Espero visitá-los ao passar e receber ajuda de vocês para a viagem até lá” (Romanos 15:24).
Essa passagem demonstra o desejo explícito de Paulo de levar o evangelho até os confins do mundo conhecido, e na época, a Península Ibérica representava uma das fronteiras mais distantes do Império Romano ocidental.
A tradição e os registros históricos
Embora a Bíblia não mencione diretamente que Paulo tenha realizado essa viagem, alguns escritos da Igreja Primitiva — como a “Muratorian Canon” do século II — sugerem que ele teria evangelizado em regiões além do leste do império, o que inclui a Hispânia. Alguns estudiosos afirmam que, após ser libertado de sua prisão em Roma, ele teria de fato viajado para a Espanha.
No entanto, nenhum documento canônico ou fonte patrística primária registra sua morte em solo espanhol. A ausência de testemunhos diretos enfraquece a teoria, mas ela foi preservada por tradições locais, especialmente na Galícia e na região de Tarragona, onde igrejas medievais reivindicam ligações com a presença de Paulo.
A morte em missão
De acordo com essa versão, Paulo teria morrido em missão, evangelizando povos ibéricos, possivelmente de causas naturais ou até mesmo executado por autoridades locais. O cenário é envolto em especulação, mas sustentado pela ideia de que Paulo jamais cessou seu impulso missionário, mesmo após a primeira prisão.
Conexão com o “Caminho de Santiago”
Algumas teorias associam Paulo ao surgimento da rota cristã conhecida como Caminho de Santiago, tradicionalmente atribuída ao apóstolo Tiago. No entanto, documentos e tradições sincréticas afirmam que Paulo também teria passado por aquelas terras — e essa conexão foi cultivada por monges durante a Idade Média, a fim de legitimar a santidade da região.
Conclusão sobre a teoria
Embora a viagem à Espanha seja uma possibilidade histórica, a ideia de que Paulo tenha morrido por lá carece de evidências concretas. Ainda assim, essa versão reforça a imagem de Paulo como um apóstolo incansável, que desejava levar a mensagem cristã até os limites do mundo conhecido.
4. A Versão Gnóstica: Paulo Não Morreu, Foi Elevado ao Céu
Entre os relatos mais enigmáticos sobre como o apóstolo Paulo morreu, existe uma teoria que não apenas nega sua morte como mártir, mas afirma que ele foi ascendido aos céus em vida, numa espécie de “arrebatamento” espiritual. Essa versão é defendida em alguns textos gnósticos e apócrifos, que circularam nos primeiros séculos do cristianismo.
O gnosticismo e suas crenças
O gnosticismo foi um movimento religioso que floresceu entre os séculos I e III d.C., misturando elementos do cristianismo, judaísmo, helenismo e tradições orientais. Para os gnósticos, a salvação não era alcançada pelo martírio físico ou pela fé institucional, mas sim pelo conhecimento interior (gnosis) e pela libertação da alma do mundo material, visto como corrompido.
Dentro dessa visão, a morte física não era o ápice da missão espiritual. Pelo contrário: os verdadeiros iluminados seriam capazes de transcender a morte, sendo elevados diretamente aos reinos celestiais.
Textos gnósticos e Paulo
Alguns escritos gnósticos — como o “Atos de Paulo e Tecla”, o “Evangelho de Verdade” e a “Hipóstase dos Arcontes” — apresentam Paulo não apenas como um apóstolo, mas como uma figura de sabedoria esotérica, portador de mistérios celestiais. Em certas versões desses textos, ele é descrito como alguém que recebeu visões diretas de Deus e percorreu diferentes céus, como relatado também em 2 Coríntios 12:2:
“Conheço um homem em Cristo que, há catorze anos, foi arrebatado até o terceiro céu…”
Para os gnósticos, essa passagem é literal, e indica que Paulo já havia experimentado a ascensão, o que o colocaria num estado espiritual superior, dispensando a morte física.
Arrebatamento e paralelos bíblicos
A ideia de uma ascensão direta ao céu sem morte não é nova na tradição bíblica. Figuras como Enoque (“e Deus o tomou para si”) e Elias (levado em um carro de fogo) foram considerados exemplos de homens justos que não passaram pela morte tradicional. Segundo os gnósticos, Paulo teria alcançado um nível de iluminação comparável, sendo poupado da morte e levado espiritualmente aos céus.
Implicações dessa visão
Essa versão subverte completamente a narrativa tradicional do martírio. Se Paulo não morreu, mas foi arrebatado, seu papel seria mais semelhante ao de um mestre espiritual cósmico, uma figura quase angélica, portadora de sabedoria divina pura. Essa visão influenciou correntes esotéricas do cristianismo medieval e, mais recentemente, movimentos espiritualistas contemporâneos.
Críticas e limitações
A visão gnóstica de Paulo não é aceita pelas igrejas tradicionais, e muitos dos textos que a sustentam foram considerados heréticos pelos concílios da Igreja. Além disso, ela carece de fundamentos históricos sólidos e não é respaldada por fontes cristãs ortodoxas ou registros históricos confiáveis. Ainda assim, sua existência demonstra a diversidade de interpretações que cercavam a figura de Paulo nos primeiros séculos.
5. Paulo e Pedro: Martirizados Juntos em Roma – Mito ou Realidade?
Entre os relatos mais difundidos sobre como o apóstolo Paulo morreu, destaca-se aquele que afirma que Paulo e Pedro foram martirizados em Roma, no mesmo período, durante a perseguição de Nero. Essa versão, amplamente divulgada pela tradição cristã, é considerada por muitos como um símbolo de unidade entre as duas maiores lideranças apostólicas: o missionário dos gentios (Paulo) e o líder dos judeus convertidos (Pedro).
O pano de fundo: Perseguição Neroniana
Após o grande incêndio de Roma em 64 d.C., o imperador Nero iniciou uma campanha de repressão contra os cristãos, acusando-os de terem provocado o desastre. A perseguição foi violenta, envolvendo execuções públicas no Circo de Nero, queimaduras, torturas e decapitações. É nesse contexto que a tradição situa o martírio tanto de Pedro quanto de Paulo.
A execução dos dois apóstolos
Segundo relatos da tradição cristã primitiva, Pedro teria sido crucificado de cabeça para baixo, por considerar-se indigno de morrer como Cristo. Paulo, por sua vez, como cidadão romano, teria recebido o direito à decapitação, uma forma mais rápida e “digna” de execução, como mencionado anteriormente.
A “Passio Petri et Pauli”, um texto apócrifo datado do século II, descreve em detalhes o martírio conjunto dos apóstolos. Embora não seja um documento canônico, influenciou profundamente a iconografia, a liturgia e a tradição católica posterior.
A simbologia da unidade
A ideia de que Pedro e Paulo morreram juntos transcende o fato histórico e tornou-se um símbolo de conciliação entre duas vertentes do cristianismo primitivo. Pedro representa o judaísmo cristão, ligado à igreja de Jerusalém, enquanto Paulo representa o cristianismo missionário, voltado aos gentios. A morte conjunta dos dois sugere um ideal de unidade e sacrifício comum em nome de Cristo.
Esse simbolismo é reforçado na festa litúrgica de São Pedro e São Paulo, celebrada em 29 de junho pela Igreja Católica, como reconhecimento à importância dos dois pilares da fé cristã.
Sepulturas e basílicas
Outra evidência que reforça essa narrativa está na tradição dos locais de sepultamento. Pedro teria sido enterrado onde hoje se encontra a Basílica de São Pedro, no Vaticano. Paulo, por sua vez, teria sido sepultado onde está a atual Basílica de São Paulo Fora dos Muros (San Paolo Fuori le Mura). Ambas as basílicas são locais de peregrinação e mantêm relíquias atribuídas aos apóstolos.
O que dizem os estudiosos
Historiadores como Eusébio de Cesareia e Jerônimo relatam que os dois apóstolos foram mortos em Roma, embora não confirmem se o martírio foi simultâneo. O relato da morte conjunta parece ter se desenvolvido como uma tradição teológica posterior, com forte peso simbólico e político para consolidar Roma como o centro da fé cristã.
Realidade ou construção teológica?
É possível que Pedro e Paulo tenham morrido em momentos distintos, ainda que próximos no tempo. No entanto, a tradição que os une em martírio tornou-se uma construção poderosa na formação da identidade cristã, especialmente na Igreja Romana, que passou a reivindicar a sucessão apostólica direta a partir dos dois.
Conclusão
Como o apóstolo Paulo morreu? A resposta permanece envolta em mistério, tradições e diferentes correntes interpretativas, mas uma coisa é certa: sua morte, seja ela qual for, não eclipsou o impacto avassalador que ele teve na construção do cristianismo primitivo. Entre os relatos analisados, o mais aceito historicamente é o de sua decapitação em Roma durante a perseguição do imperador Nero — um ato que selou sua trajetória de fé com sangue e coragem.
No entanto, também exploramos outras possibilidades: a teoria de uma morte natural após sua libertação; a hipótese de que tenha morrido em missão na Espanha; a visão gnóstica de ascensão espiritual sem morte física; e o poderoso símbolo teológico do martírio conjunto com Pedro. Cada uma dessas narrativas revela mais do que fatos históricos: elas expressam o significado espiritual, político e simbólico que Paulo assumiu ao longo dos séculos.
Sua vida — e sua morte — tornaram-se um pilar da identidade cristã. Seus escritos moldaram a teologia da Igreja, suas viagens missionárias estabeleceram comunidades que perduram até hoje, e seu exemplo de transformação continua a inspirar milhões.
Independentemente de como Paulo morreu, sua missão não terminou com sua última respiração. Ela continua viva, ecoando através das cartas que escreveu, das igrejas que fundou e da fé que defendeu até o fim.